sábado, 3 de outubro de 2015

Chiquinho

CHIQUINHO ACREDITAVA QUE CACHORRINHOS PODIAM MORAR COM O PAPAI DO CÉU.

Chiquinho era um menino do interior. Perdeu a mãe, tadinho, e ele ainda pensava nela. Escrevia poeminhas tolos, de um romantismo um tanto infantil, às vezes com uma devoção religiosa. Ele queria ser Casimiro de Abreu, com a diferença de que não queria morrer cedo.

Chiquinho era desses interioranos que acreditavam que até cachorrinhos iam para o céu sentar à direita de Deus Pai. Certa vez, Chiquinho, já mais crescido, recebeu uma sugestão, não se sabe de quem, de escrever algo e botar autoria de gente do além. Chiquinho estranhou.

- Mas eu não posso. Eu costumo respeitar os mortos, deixar para lá, orar para eles. Só falo com minha mãe saudosa e com um antigo padre jesuíta que conheci nos livros de História da minha escola e vi nele um herói valente e corajoso da fé do Nosso Senhor Jesus Cristo.

- Fala bonito, garoto! - disse esse misterioso alguém. - Mas por que você não aceita isso? Se você tanto diz que fala com gente do além, por que não evocar essas almas? Você escreve sempre uma coisa positiva, uma mensagem fraternal, ninguém vai estranhar!

- Mas isso não é se passar por outro alguém? Isso é muito feio de se fazer! - reagiu Chiquinho.

- Não, você põe uma mensagem de amor e todo mundo acredita. Termine sempre com algo tipo "vamos nos unir no amor do Cristo", "bênçãos e paz sob a proteção de Deus", "mantenham-se na misericórdia e no amor divino". O pessoal adere direto.

- Mas o que vou ganhar com isso? - pergunta Chiquinho.

- Muita coisa. Você será considerado o maior profeta do mundo. Se você quiser, pode ser visto como um cientista sem entrar na faculdade. Já pensou? Você pode parar no curso primário e mesmo assim ser considerado cientista e intelectual e vai ter até doutores de faculdade dando apoio a você, fazendo teses de doutorado a seu favor.

- É mesmo? - perguntou Chiquinho, maravilhado.

- Sim. Lembre-se de Jesus menino falando aos doutores - diz esse alguém, interpretando o fato possivelmente verídico de Jesus falando aos intelectuais sob o ponto de vista católico - , Chiquinho. Você vai estar acima de todos os intelectuais do Brasil.

- E o que eu posso fazer então?

- Simples. Você escreve alguma coisa e bota a autoria de algum falecido. É só pegar informações desta pessoa, daqui e dali, e jogar tudo na mensagem. Tome cuidado para não escrever texto usando o nome de Machado de Assis mas com o estilo de Olavo Bilac.

- Certo. Mas como eu vou pegar essas informações? Vou para a biblioteca?

- De fato, você vai para a biblioteca. Mas vai ter que falar com parentes, especialistas, chefes de trabalho, qualquer um que tiver a ver com o morto.

- Mas como é que vou recorrer a essas pessoas?

- A vida lhe dirá, Chiquinho. Quando a situação exigir, ela também lhe trará as condições para colher informações. Vai dar certo. Venderá como água, trará fama e tudo. Escreva muitos livros, recorra a ajuda de alguém e você verá o sucesso cair em suas mãos. Vai ser mais popular que muito astro de radionovela, muito cantor de marchinha que se encontra por aí nos cassinos da vida.

- Vou ser mais popular que artista do cinema americano?

- Não sei se chegará a tanto, mas será perto disso. O sucesso será garantido. É só escrever mensagens fraternais, geralmente com alguma narrativa triste no começo que vai crescendo num otimismo e num apelo de esperança. Escreva qualquer coisa de sua imaginação, seguindo esse roteiro, e depois bote alguma informação do morto em questão e joga tudo na autoria dele. Será sucesso certo, Chiquinho.

Chiquinho aceitou de imediato a ideia. A fama e o prestígio lhe correram para o abraço.

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